(Minha Tia, Galego, Dedé, Beata)
Aproximadamente, duas horas depois. Abriu-se a vendola e o Galego aparece trepado num caixote, amarrando um cordão com bandeirolas vermelhas e brancas que vai da porta da venda ao sobrado do lado oposto. Zé e sua cruz continuam no meio da praça. Ouve-se um pregão: "Beiju... olha o beiju!" Logo após, surge no alto da ladeira uma preta em trajes típicos, com um tabuleiro na cabeça. Ela desce aladeira e ao passar pelo Galego saúda.
MINHA TIA:Iansan lhe dê um bom-dia.
GALEGO:(Espanhol) Gracias, Minha Tia.
Minha Tia vai até à igreja e aí, junto dos degraus, pára.
A critério da direção e em momentos em que não prejudiquem a ação, transeuntes cruzarão a praça, durante todo o ato.
MINHA TIA:(Para o Galego) Quer vir aqui dar uma mãozinha pra sua tia, meu branco?
Galego apressa-se a ir ajudá-la. Retira primeiro o cavalete que está sobre o tabuleiro, abre-o, depois ajuda-a a tirar o tabuleiro da cabeça e colocá-lo em cima do cavalete.
MINHA TIA:Santa Bárbara lhe pague. (Nota Zé-do-Burro) Oxente! Que é aquilo?
GALEGO:Não sei. Já estava acá quando abri a venda. Parece maluco.
(Volta a pregar as bandeirolas, enquanto Minha Tia põe-se a arrumar o fogareiro, procura acendê-lo).
Desce a ladeira, passo mole, preguiçoso, Dedé Cospe-Rima. Mulato, cabeleira pixaim, sob o surrado chapéu de coco - um adorno necessário à sua profissão de poeta-comerciante. Traz, embaixo do braço, uma enorme pilha de folhetos: abecês, romances populares em versos. E dois cartazes, um no peito, outro nas costas. Num se lê: "ABC da Mulata Esmeralda - uma obra-prima" e no outro "Saiu agora, tá fresco ainda! O que o cego Jeremias viu na Lua".
DEDÉ:(declama)Bom dia, Galego amigo! dia assim eu nunca vi; para saudar Iansan, não repare eu lhe pedi: me empreste por obséquio dois dedos de parati.
GALEGO:É, com esta história de hacer versos, usted sempre me leva na conversa, (entra na venda e dá a volta por trás do balcão) É boa mesmo essa do cego Jeremias? (Serve o parati).
DEDÉ:(Bombástico, teatral) Uma epopeia. Uma nova Ilíada, onde Tróia é a Lua e o cavalo de Tróia é o cavalo de São Jorge! (Tira um exemplar e coloca sobre o balcão) Em paga do parati.
GALEGO:Si, pêro... vo prefiro Ia otra, Ia da mulata Esmeralda.
DEDÉ:Uma prova de bom gosto, Galego! (Troca os folhetos) É também uma obra-prima. Lembra Castro Alves, modéstia à parte. (Bebe o parati de um trago. Refere-se às bandeirinhas) Bandeirinhas vermelhas e brancas, as cores de Iansan. Depois diz que não crê em candomblé.
GALEGO:Yo no creo, pêro hay quem crea. E yo soy um comerciante...
DEDÉ:Somos dois! (Estende nouamente o cálice) Mais uma dose. Esta eu pago amanhã. (Galego faz cara feia, mas enche de novo o cálice).